domingo, 30 de outubro de 2011

A EXPRESSÃO POÉTICA DE PEDRO SIMÕES - CEARÁ MIRIM - NATAL/RN


MEMÓRIAS MANOELINAS

Ando tão cheio de entremências que quase não me caibo em mim. No entanto eu era tão seguro na sela, tão equilibrado na bengala, tão meio dia já no finzinho da tarde, que dava gosto. De bicicleta não ando mais, des´que acidentei uma lagartixa, bicho que não fede nem cheira mas muito do meu gosto de um lado esquisito. Ninguém assunta maldade nela na minha frente. Depois soube que o rabo dela recresce com tanta ligeireza que nem pagava a pena de confissão. Mas sou assim:ando desembestado na frente das dores que comigo não tem cerimônia, é comadre que chega todo dia sem prevenir, fiada na intimidade.
Uma vez fui fulustreco e andei ao meu redor, no andor de contramão. Muita gente me esbarrou querendo por querer. Entrei no que pensava ser beco e dei com um aviso de rua sem saída. Galopei em cavalo marinho até um terreiro. Cisquei até que encontrei uma pele seca de sapo, como se quarasse ao léu e daí pensei nuns olhos inchados olhando pra todo lado sem olhar pra lugar nenhum.
Bicho tem valia e atestado de filho de Deus. Melhor inté que os propriamente ditos que às vezes se comportam que nem um filho daquela.
Outra vez dei de pensar que podia juntar samba e tango, coisa de quem não pode dançar com um pé só ou se faz maneiroso é com duas pernas direitas. Esmoreci. Anoiteci e não amanheci quando a caminho do locutor que não bastasse o desfeito me chamava de premiado, perdi o prumo e me estatelei no chão molhado numa tempestade de risadagem.
Vi a lua na poça d’ água e a poça d’água na lua, formiga pixototinha parindo uma serra, mijando um açude, bebendo um pedaço de mar...Impossível é não ver São Jorge pelejando com o dragão no chão esburacado da dindinha lua.
Do sertão, sei pouco, muito pouco, quase nada, do queixume dos lajedos e dos xique-xiques ruminantes. Sou homem da beira-mar e da ribeira do vale. Sei do verde e do azul, do negro massapé e da branca areia da praia. Do doce mel da cana arrancada da terra e da memória dos açoites nos negros da África. Da sinhazinha e dos barões, dos saraus e dos sapateados do negro congo..
Essas memórias curtas e vagueadas brotaram no meio de obituários de um velho baú desconjuntado que herdei de minha avó. Riscadas a lápis nos encadernados, muitas delas não resistiram às traças malfeitoras. As que sobraram é porque se grudaram a velhos discos de 78 rotações – coleção de Vicente Celestino e Chico Alves.
E pois!

(Mirante das Dunas, madrugadinha de um domingo devoto do sol, 30.10.11)

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