segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

TRANSCREVO NA ÍNTEGRA RELATO SOBRE A POESIA POPULAR/REPENTE - uma aula de literatura popular

ROSÁFICO SALDANHA, É HISTORIADOR E ESTUDIOSO SOBRE A POESIA POPULAR, FILHO DE ZÉ SALDANHA, UM GÊNIO DO CORDEL, SABE TUDO SOBRE O GÊNERO ,ESSE PROFESSOR QUERIDO. AGRADEÇO A LEMBRANÇA DO MEU QUERIDO PAI, JOSÉ MILANEZ QUE SIGO COM ORGULHO OS CAMINHOS QUE ELE TRILHOU. Geralda Efigênia

Cantador de viola: É o mesmo que poeta popular, violeiro, improvisador, que faz versos cantados na hora, ao som de uma viola. O nosso cantador é oriundo do Trovadorismo luso que produzia cantigas entoadas ao som de flauta, viola e alaúde, chamado de Jogral ou trovador. Cantava em festas, duelos, brigas dos cavaleiros e romances. O jogral chegou ao Brasil com os colonizadores. Ao chegar à geografia dos trópicos isolados do Nordeste, os poetas prosadores de Portugal, incorporaram sua cultura e seus queixumes às cantigas indígenas e às cantorias lamentosas africanas. Tanto o repentista nordestino como o gaúcho ainda são chamado de trovadores. No passado, um andrajoso errante, caminhando léguas através dos sertões ardentes para desafiar a inteligência dos companheiros. O seu público era o homem simples do sertão: vaqueiro, aboiador, almocreve e povaréu. Exposição brilhante de inteligência criativa.

Olhos fixos e face delirante, é raro a boa voz. Abusam do agudo, geralmente inchando as veias do pescoço e cantando sempre acima de uma afinação melopédica. A magia melancólica dos mestres da cantoria dominou os sertoess. O poeta popular é patrimônio da poesia cabocla, operário da rima e da métrica. Seus versos saem de seus lábios como águas das cascatas: rápidos e convulsos. O poeta nato sente correr a poesia em seu sangue. Tem inteligência e habilidade criativas, fala à língua do povo. Com suas palavras mágicas o poeta pincela a natureza e excita paixões. Ele não faz poesia, ele sente poesia vinda da alma. Na construção dos repentes utiliza um recurso muito comum: o sacrifício da coerência discursiva em prol da métrica. Esses poetas são donos de estilos, talento e imagens fortes que emprestam palavras sagradas às expressões, cor aos pensamentos e intensidade aos sentidos. Evocam templos de poesia, dando relevo à imaginação, em topografia viva.derramada em orações divinais. O malabarismo da palavra é o reflexo do coração e da alma: comovendo, consolando, afligindo, irritando, acalmando, enaltecendo. Predomina o sentimento, a emoção, o amor, angustia e a saudade, enquanto a viola de cordas vibrantes, chora. A alma do poeta é plenário do amor e púlpito de fortes emoções.

Cerca de 350 poetas populares nordestinos vivem da cantoria de viola, desenvolvendo 60 modalidades poéticas como: Martelo Malcriado, Martelo Alagoano, Galope a Beira Mar, Gabinete, Gemedeira, Mourão Voltado, Motes Decassílabos, Setessílabos, Sextilhas, Canções etc. O cantador antigo tinha que conhecer a História Sagrada, Lunário Perpétuo, Missão Abreviada, O Pavão Misterioso, Os Doze Pares de França etc. Qual o poeta que não sabia rudimentos bíblicos, geográficos, históricos e mitológicos?

Nem todos os dias nascem gênios, monstros sagrados e poetas renomados como: Fabião das Queimadas, Antônio Marinho, Pinto do Monteiro, Fco Romano, Josué Romano, Silvino Pirauá, Ugulino Nunes, Azulão (rival de Romano Elias), Romano Elias da Paz, Josué da Cruz, Inácio da Catingueira, Manoel Chudu, Diniz Vitorino, Daniel Ribeiro, Pedro Henrique, Manoel Macedo, Zé Milanez, Louro Branco, Domingos Tomaz, Onésimo Maia, José Alves, Manuel Calixto, João Liberalino, João Paraibano, Cotinha, Moaci Laurentino, Sebastião da Silva, Ivanildo Vilanova, Valdir Teles, Os Nonatos (Nonato Costa-CE, Raimundo Nonato-PB), Apolônio Cardoso, etc. Algumas famílias se destacaram pelo número de poetas: Os Batista (Dimas, Otacílio e Lourival - S. José do Egito), os Caetanos (5 cantadores, destacando-se Raimundo, Titico etc – PB), os Bandeiras (Pedro, João, Daudete, netos do cantador Manuel Galdino Bandeira) etc. Diz-se que quando terminava uma cantoria, Josué da Cruz repetia de cor todos os versos do companheiro. Vez por outra o RN produz pérolas poéticas como Ercílio Pinheiro, Sebastião Dias, Zé Cardoso e Severino Ferreira. Muitas gerações de cantadores originaram monstros consagrados como: João Melquíades, Romano da Mãe d’água, Manoel Cabeleira, os irmãos Lourival, Dimas e Otacílio Batista, Heleno Bezerra, Canhotinho, Diniz Vitorino, Geraldo Amâncio, João Furiba, José Faustino Vilanova, Josué da Cruz, Louro Branco, Manoel Galdino Bandeira, Oliveira de Panelas, Rogaciano Leite, Sebastião Dias, Severino Ferreira, Zé Duda etc.

Cascudo, definiu tais poetas como "Representantes legítimos de todos os bardos menestréis", acrescentando: “O povo espera que o poeta o entenda, cantando-o no seu vocabulário”. La Fontaine, Demóstenes, Montesquier, Chateaubriand, Shakespeare, Lamartine, Rousseau ou Fontenelle, ficariam pasmos diante da convulsividade criativas de nossos poetas. Iriam sentir cheiro de sertão e do incenso agreste da jurema em flor. Paul de Saint-Victor, afirmou que a alma duma raça se resume em suas trovas alegres ou tristes, e que a história deriva de 3 grandes escolas: popular, clássica e filosófica. A última decorre das duas primeiras e a 2a, da popular, base de tudo.

A poesia popular é uma das riquezas folclóricas nordestinas, transformando os sertões em berço de grandes cantadores, principalmente PB, PE e CE. A poesia cabocla já foi motivo de estudos de Câmara Cascudo, Silvio Romero, Ariano Suassuna, Leonardo Mota, Gustavo Barroso, Rodrigues de Carvalho, João Cabral de Melo Neto, Joaquim Cardoso, Guimarães Rosa, Jorge Amado e José Lins do Rego. Como os cordelistas, Cassimiro de Abreu escreveu poesias em sete-pés. Afrânio Peixoto e Sílvio Romero descreveram estrofes e desafios sertanejos. Otacilio Batista Patriota, o uirapuru dos cantadores, fez parte da trindade poética mais famosa do Nordeste (Dimas, Lourival, Otacílio). Ouvindo os 3 irmãos, o poeta Manoel Bandeira exclamou: “Eu não sou poeta não!” Otacílio foi incluído no livro Os Cem Maiores Poetas Brasileiros do Século (séc XX), do jornalista José N. Pinto. Foi autor-compositor de “Mulher Nova Bonita e Carinhosa”, sucesso nacional cantado por Elba Ramalho, Zé Ramalho e Amelinha. Carlos Drummond de Andrade cognominou Leandro Gomes de Barros de “o rei da poesia do sertão”. Drummond escreveu no Jornal do Brasil em 1976: “Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o titulo, a ser conhecido, só podia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no RJ, local da eleição promovida pela revista Fon-Fon...” Leandro Gomes de Barros: (1868/1918), o 1º poeta a publicar cordel no Brasil por volta de 1889, é considerado o maior cordelista brasileiro. Sua produção é estimada em cerca de mil títulos. Agamenon Magalhães, em PE, gostava de cantadores a ponto de usá-los em seus comícios, como na campanha de 1950. Dizia que “os poetas humanizam as batalhas democráticas”. Chegou a promover um encontro de poetas no palácio, o que poucos governadores fizeram, com exceção de João Suassuna, PB ( déc de 20) e Cortez Pereira, RN (déc de 70, no RN). O professor Pedro Ribeiro dizia que gênio não tem pátria nem classe social. No Nordeste, nós temos um punhado de gênios derramando imaginação e modelando a natureza. Ninguém tem raciocínio tão rápido. Ás vezes tropeçam nas próprias palavras, devido à rapidez de raciocínio.

Escrito por lamp_dantas às 17h03

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